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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

NOTÍCIA: Brucelose mapeada

Por Fábio de Castro

Fonte: Agência FAPESP

O impacto negativo da brucelose e da tuberculose bovinas sobre a saúde humana e sobre a pecuária é tão grande que, em 2001, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) implementou um programa nacional de erradicação e controle das duas doenças. Mas, até agora, não havia sido feito um diagnóstico amplo e detalhado sobre a prevalência das duas zoonoses no país.

Essa lacuna começou finalmente a ser preenchida com o lançamento da publicação Situação da brucelose no Brasil, que reúne uma ampla série de estudos sobre a situação epidemiológica da doença.







Publicação reúne estudos que descrevem com detalhes sem precedentes a situação epidemiológica da brucelose bovina no Brasil. Trabalho, coordenado pela FMVZ-USP, foi lançado em evento sobre o programa nacional de combate à doença que também atinge o homem (Foto: F.Castro)

A brucelose causa prejuízos importantes à pecuária e pode ser transmitida para o homem. Também conhecida como febre de Malta, é causada por bactérias do gênero Brucella. Entre os animais, o principal sinal clínico é o aborto no terço final da gestação.

Os humanos são infectados ao entrar em contato com os animais, ou consumir produtos animais contaminados com a bactéria, em especial laticínios produzidos com o leite não pasteurizado. Os sintomas, no homem, são similares aos da gripe, incluindo febre, dores e fraqueza. Nos casos mais graves, pode acometer os rins, fígado e coração.

Abrangendo 15 estados onde se concentra a maior parte do rebanho nacional, os estudos foram reunidos em volume da revista Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia. Os textos estão disponíveis na biblioteca on-line SciELO (FAPESP/Bireme).

O estudo, financiado pelo MAPA, pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi realizado por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP) que presta apoio técnico-científico ao Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PNCEBT).

A publicação foi lançada na quarta-feira (11/8), durante o seminário “Avaliação do andamento do Programa Nacional de Controle e Erradicação de Brucelose e Tuberculose”, na FMVZ, em São Paulo. O evento reuniu pesquisadores, gestores do PNCEBT e representantes dos vários segmentos das cadeias produtivas da carne e leite para divulgar o estudo e apresentar resultados e perspectivas do programa.

De acordo com José Soares Ferreira Neto, coordenador do evento e do Centro Colaborador do MAPA para Saúde Animal da FMVZ, responsável pela publicação, o estudo sobre a situação da brucelose tem um grau de detalhamento, abrangência e sofisticação sem precedentes.

“Para combater essas doenças é preciso conhecer com precisão sua situação epidemiológica no país. Isso permite escolher estratégias e gerar um diagnóstico inicial para, com o passar do tempo, avaliar o desempenho do programa de controle e erradicação”, disse à Agência FAPESP.

A realização de estudos de prevalência desse porte, segundo Ferreira Neto, é de alta complexidade e requer investimentos elevados. O projeto, que gerou mais de 20 teses e dissertações, custou mais de R$ 20 milhões. “Conseguimos um enorme avanço em relação à brucelose. Agora, estamos realizando também trabalhos sobre tuberculose bovina, que já estão gerando os primeiros resultados”, disse o professor titular da FMVZ-USP.

Além do lançamento da publicação, o seminário teve a proposta de reunir gestores do PNCEBT a fim de discutir o programa e realizar um exercício de reflexão com o objetivo de corrigir eventuais desvios. “A partir do que foi debatido, teremos elementos para reorientar o programa de acordo com as necessidades. O estudo também terá um papel fundamental nesse debate”, disse.

Segundo Ferreira Neto, até o início da década, o Brasil lidava muito mal com a brucelose e a tuberculose em termos de programas sanitários de controle e erradicação.

“Os riscos e os prejuízos causados por elas fizeram com que entrassem na pauta do mercado internacional de animais vivos e de produtos de origem animal. Por isso, em 2001 o Brasil se mobilizou e lançou o PNCEBT. O MAPA, no entanto, não agiu isoladamente, mas montou um comitê científico de especialistas de todo o país e elaborou um programa consistente, atualizado com o que há de mais moderno em termos internacionais”, disse Ferreira Neto.

Os estudos científicos sobre a brucelose, que, segundo ele, cobriram 85% do rebanho bovino brasileiro, correspondem a uma vertente fundamental do programa. Os resultados gerados, sintetizados na nova publicação, serão a base para a adoção de estratégias de erradicação da doença.

“O Brasil é muito heterogêneo em relação à brucelose. É fundamental conhecer essas heterogeneidades por meio do estudo, a fim de desenvolver as melhores estratégias possíveis dentro da realidade de cada estado”, afirmou.

O estudo mostrou que há áreas de baixíssima prevalência da brucelose, como Santa Catarina, o sul do Paraná e o norte do Rio Grande do Sul. “Conforme vamos em direção ao Centro-Oeste, a prevalência aumenta dramaticamente”, disse Ferreira Neto.

Estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, por exemplo, têm prevalências próximas de 50%. Isto é, de cada duas propriedades, uma está infectada pela brucelose.

“Agora sabemos muitos detalhes sobre a prevalência da doença e podemos traçar políticas públicas. Além disso, estudamos fatores de risco. Isto é, identificamos quais as práticas dos produtores que estão associadas ao risco de ser foco de brucelose”, apontou.

Parte central dos estudos foi viabilizada, segundo Ferreira Neto, pelo projeto “Epidemiologia e controle da brucelose e tuberculose bovinas no Brasil: bases para as intervenções”, apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.

“Os recursos provenientes da FAPESP foram fundamentais para a aquisição de computadores e para a manutenção da rotina do nosso Laboratório de Epidemiologia, que centralizou e coordenou os trabalhos”, disse.

Procedimentos padronizados

Pelas distâncias envolvidas e pela heterogeneidade da prevalência da brucelose no Brasil, operações de campo envolvidas no estudo tiveram alto grau de complexidade operacional. O primeiro passo, para os serviços oficiais dos estados, é solicitar uma visita do Grupo de Epidemiologia da FMVZ.

O grupo visita o estado e explica como proceder para realizar os estudos, indicando que equipamentos devem ser adquiridos e que treinamento deve ser dado ao pessoal envolvido.

“Depois disso, fazemos todo o levantamento e planejamento de amostragem. Quando o estado já tem tudo pronto – pessoal capacitado, insumos comprados, propriedades sorteadas – fazemos uma segunda visita para um detalhado treinamento com as equipes que realizarão o trabalho de campo”, explicou Ferreira Neto.

Todos os procedimentos são absolutamente padronizados. “A homogeneidade de métodos é imprescindível. Do contrário, seria impossível comparar resultados. O trabalho de campo gera um volume enorme de dados, que incluem amostras para serem processadas em laboratórios, resultados de questionários e medidas das propriedades. Tudo isso é inserido em um banco de dados e, dessa forma, reunimos informação epidemiológica útil para as análises”, disse.

Para o estudo, os estados são divididos em regiões – o território paulista, por exemplo, foi repartido em sete delas – e em cada uma é feita uma amostra. “Sorteamos, nessas regiões, um número de amostras que varia entre 150 e 300 propriedades. Assim, conseguimos uma amostra estatisticamente representativa”, explicou.

O estudo deverá ser retomado de forma sistemática ao longo do tempo. Isso permitirá a obtenção de uma série histórica que será usada para comparar dados e acompanhar a dinâmica da evolução da brucelose. “Os estados que têm prevalência média e alta precisam organizar bons programas de vacinação”, disse Ferreira Neto.

Segundo ele, a vacinação, obrigatória em todo o país, é feita em fêmeas de 3 a 8 meses, apenas uma vez na vida. “Não é uma tarefa tão difícil, mas os serviços oficiais precisam estruturar bons programas de vacinação. É preciso que todos os anos pelo menos 80% das novilhas sejam vacinadas”, afirmou.

Além da vacinação, outra estratégia central do programa é a certificação de propriedades livres. Os produtores devem submeter os animais a um regime planejado de testes e sacrificar aqueles que estiverem infectados. “Depois de três testes consecutivos negativos para todos os animais, a propriedade é certificada”, disse Ferreira Neto.

Para ler os textos publicados no Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, disponível na biblioteca SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

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